Categoria: Conto

  • De outros carnavais

    Cada vez mais, o ensino e o estudo da literatura, no sentido profundo de criação artística, associam-se à prática da escrita. Num período histórico marcado pela vertiginosa proliferação de ideias, teorias e informações, é o exercício permanente da atividade criativa que funciona como foco iluminador não só dos saberes específicos das letras, mas também de suas possibilidades de conexão com outros setores da cultura. Vivemos em nosso tempo um processo de conquista democrática da palavra literária. A vontade de escrever é vivida como direito e necessidade subjetiva. A oficina de criação literária assume assim um lugar destacado entre as atividades universitárias, e é nessa linha que Paulo Henriques Britto trabalha com seus alunos e alunas no Programa de Produção Textual do Departamento de Letras da PUC-Rio. Este volume nos traz o resultado obtido. Nesta Oficina, como não poderia deixar de ser, a criação é estimulada pela leitura de clássicos brasileiros, em torno de um eixo temático – o carnaval. A partir deles, foram elaborados os contos aqui apresentados. Neles, observamos algumas características marcantes do “conto de carnaval”, que de certa forma podemos considerar um gênero bem brasileiro, contrastando, por exemplo, com os “contos de Natal” universais. Como se pode ver aqui, um gênero bem carioca. Saltam à vista nestes contos algumas marcas da tradição do gênero: a presença da experiência do carnaval na vida familiar e social, os elementos de surpresa que acontecem no exercício da folia e sobretudo a experiência, na maioria destas estórias, do percurso urbano, a fusão entre corpo e cidade. É assim que se retoma e se leva adiante o exercício da ficção como testemunho de vida

  • Como se

    Como Se é uma investigação sobre as condições de impossibilidade da literatura, ou seja, uma investigação literária sobre a audácia, problemática e quase arbitrária, do ato de escrever. Contudo, esta impossibilidade não inviabiliza a criação, mas se revela como fundamento abismal e originário, ou ainda, a essência vazia da ficção e é a partir deste vácuo que Claudia Chigres escreve um mundo de sensações criadas por personagens tomados por uma solidão solipsista. A prosa e a poesia surgem em jorros, tudo é escrito superando obstáculos a cada palavra, sílaba e fonema, como um gago lutando, a todo instante, contra a sua gagueira, tendo que falar tudo antes que o silêncio se imponha outra vez; prosa e poesia, portanto, são expressas com angústia e sofreguidão. Mas isso não é tudo, Claudia ainda produz um perspectivismo literário em seus extras, pois aí revisitamos seus contos a partir daquilo que foi “cortado”, como num filme visto em DVD ou Blu-ray, e é através destes “cortes” que podemos não apenas imaginar o processo criativo da autora, mas também revisitar seus contos através de passagens, ideias e personagens igualmente precárias, problemáticas e estranhas. Então, uma literatura oximórica, porque todo livro se torna possível graças a um “como se” – como se o impossível condicionasse o possível, como se a pluralidade de perspectivas pudesse surgir do vazio ou se sustentar no nada – e é justamente este “como se” milagroso que torna o ato ficcional real (o oxímoro), pois o livro está aí, apesar de tudo.

  • Mosaico

    Como é a vida de crianças assistidas na terapia intensiva? Neste livro, Roberta Tanabe parte de sua experiência profissional, dos anos dedicados à terapia intensiva pediátrica, para compor um mosaico de histórias, constituídas por diferentes vozes. Estão presentes as crianças, com sua interação curiosa com as máquinas e os profissionais que as cercam; os familiares, que vivem o drama de recalcular as expectativas sobre a infância de seus pequeninos tão desejados (ou não), diante das agruras de genes, infecções e acidentes que estão no destino e transformam a percepção de o que pode ser criar um filho; finalmente, comparecem as vozes dos profissionais de saúde, que expõem o conflito das emoções vividas no limite do conhecimento técnico e racional. A imagem do mosaico persiste na ideia de que, o todo, formado por fragmentos instáveis e precários, também é instável e precário. Não há que se crer na grande obra, se ela não é capaz de redimensionar, à sensibilidade dos leitores, a existência e o estar no mundo. Dessa forma, este Mosaico, de Roberta Tanabe, é um belo exemplar de grande arte. Conduz o leitor para além da experiência do relato imediatista sobre o cotidiano hospitalar e nos apresenta a dimensão desse todo, instável e precário. Como observa Martha Moreira, no prefácio, o livro nos coloca diante do “lugar que as crônicas podem ocupar na vida humana”. A maneira tênue e delicada com que as histórias, ou os fragmentos desse mosaico, se entrecruzam e se comunicam, no conjunto, aponta para uma arte de criação que compartilha com o leitor direções para a recomposição, a reinterpretação, ou, como o subtítulo deixa claro, a reinvenção da vida, o que a torna plural, múltipla e inteira.

  • Copacabana e outros subúrbios

    Nos 13 contos que Alexandre Faria reúne neste livro, a densa experiência urbana de personagens à deriva, em busca de respostas para os acasos do existir, é pontuada pela sensível costura de narrativas ora psicológicas ora fantásticas, que não cedem facilmente à representação realista da cidade. Num passeio oscilante, como as curvas taoistas do calçadão de Copacabana, o leitor será conduzido pelas delícias e misérias dos dramas humanos em narrativas que não deixam de dar humor e leveza aos problemas. O conjunto compõe um painel de histórias em que o famoso bairro carioca, cenário de alguns contos, mas não de todos, transforma-se em metáfora cosmopolita de um tempo complexo e desafiador como o nosso.