Categoria: Ensaio

  • O retorno de Homero à Cidade

    Se n’A República, Platão expulsa o poeta, isto é, o artista, ele retorna em diferentes simulacros à Pólis, pois a arte sempre está na profanação e na renovação de cada palavra, mediante a renovação de cada palavra. Repetição contínua e descontínua, beirando os limiares históricos e filosóficos, como podemos sempre afirmar: transfiguração do fato artístico. Fato de linguagem, em suma. Iluminação e cegueira portam algo que se transforma, indo além do seio linguístico e sendo atravessado pelo histórico, político, cultural e econômico. Essa coisa que presenciamos obscura e profundamente. Uma manifestação artística que se ilumina e se obscurece na presença de outras artes. Dificilmente, conseguimos testemunhar a mitologia do autor, ou seja, o momento seminal da criação, recolhemos a obra e sua linguagem, a que insiste em falar e insiste em escamotear os sentidos, sem o absurdo do cotidiano, que tenta ser claro, mas também falha. Só a morte provoca novos nascimentos e retornos. A palavra não basta. Assim, o prestígio e o status da figura do autor tergiversam o centro da obra; logo, o circuito dos signos verbais e não verbais encena os rodopios. E a linguagem se recusa fazer e dizer tudo o que pode. Ou deve… Como Luiz Fernando e Serge Margel, na apresentação de O retorno de Homero à Cidade, declaram: “Este livro é uma homenagem a Michel Deguy e a Jean-Luc Nancy, dois preciosos amigos que nos deixaram recentemente. Um e outro consagraram suas vidas a escrever sobre os vínculos complexos e ambíguos entre poesia e filosofia.” Saber e memória nos conduzem ao profundo e abissal de desejo de escrita, como se o corpo em direção ao fundo se revestisse de signos que boiam. Sim, desejo de escrita como um jogo do indizível; isso é certo tipo de exterioridade da razão.