Segundo o autor, “cada livro tem vários livros por dentro. O que o autor escreveu, o que ele nem sabe que escreveu, o que imagina ou intui. E há todos os livros que os leitores vão criar, misturando suas experiências de vida e leitura com as experiências escritas nas páginas”. Nos “vários livros” de coisa diacho tralha, Cesar relê o amor, a história do Brasil, a mulher, a religião e a própria poesia. O amor, este pêndulo que vai do desejo à dor, nos direciona e perturba, percorre o livro.
Categoria: Livros
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Fenda
Entre o sertanejo é, antes de tudo, um forte de Euclides da Cunha e o dia em que o morro descer e não for carnaval de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro, escancara-se na República dos Estados Unidos do Brasil uma fenda, uma fissura tempo-espacial, um buraco negro que acumula imagens e clichês de um Estado e de um Povo que também possuem entre si outra fenda, um vão muitas vezes intransponível. Mind the gap, atenção para o vão, como as vozes metálicas das estações de metrô, é o que este livro de oswaldo martins pretende dizer. Os poemas de fenda constituem-se como pontuadores de uma narrativa épica brasileira. Eu conto e o senhor põe ponto, diria o jagunço do Grande Sertão. É claro que o leitor não encontrará na poética oswaldiana o conto, a fábula. toda narrativa capaz de engendrar ilusões sobre as ideias de pertencimento, cidadania, republicanismo no Brasil é, aqui, voluntariamente omitida. O poeta põe apenas os pontos e com eles traça retas e planos que trazem à tona o que é sistematicamente silenciado. Vira do avesso o buraco negro dessa história e compõe, como um curador atento, uma galeria de personagens e fatos que unidos no revés histórico (…) pespegam no nosso mundo / faíscas de luta e liberdade”. com os poemas de fenda o estatuto da cultura aflora da radicalidade dos versos como extrato de raízes profundas de um brasil supostamente esquecido ou relegado, mas que é, sim, sistematicamente silenciado à bala. oswaldo martins é um poeta incontornável do panorama das letras brasileiras do século XXI. A cada livro compreende-se mais a construção de uma obra sólida e estável. Sugerimos que o leitor observe a coesão entre a repontuação da história dos poemas de fenda, as blagues e os chistes das desimitações, e os delírios verbais de manto. esses livros compõem uma trilogia (involuntária?) em que as questões da ordem pública, da política, do mundo supostamente organizado, são milimetricamente postas à prova pelos versos de um lirismo enxuto, evidência de que até a emoção, como pretensamente é encontrada no sentimentalismo dos versos até hoje românticos, precisa ser revista e reinventada em nome da poesia e de seu poder de subversão.
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Como se
Como Se é uma investigação sobre as condições de impossibilidade da literatura, ou seja, uma investigação literária sobre a audácia, problemática e quase arbitrária, do ato de escrever. Contudo, esta impossibilidade não inviabiliza a criação, mas se revela como fundamento abismal e originário, ou ainda, a essência vazia da ficção e é a partir deste vácuo que Claudia Chigres escreve um mundo de sensações criadas por personagens tomados por uma solidão solipsista. A prosa e a poesia surgem em jorros, tudo é escrito superando obstáculos a cada palavra, sílaba e fonema, como um gago lutando, a todo instante, contra a sua gagueira, tendo que falar tudo antes que o silêncio se imponha outra vez; prosa e poesia, portanto, são expressas com angústia e sofreguidão. Mas isso não é tudo, Claudia ainda produz um perspectivismo literário em seus extras, pois aí revisitamos seus contos a partir daquilo que foi “cortado”, como num filme visto em DVD ou Blu-ray, e é através destes “cortes” que podemos não apenas imaginar o processo criativo da autora, mas também revisitar seus contos através de passagens, ideias e personagens igualmente precárias, problemáticas e estranhas. Então, uma literatura oximórica, porque todo livro se torna possível graças a um “como se” – como se o impossível condicionasse o possível, como se a pluralidade de perspectivas pudesse surgir do vazio ou se sustentar no nada – e é justamente este “como se” milagroso que torna o ato ficcional real (o oxímoro), pois o livro está aí, apesar de tudo.
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Davi
Davi é “gestado num útero impossível, feito de vogais e consoantes. Como num pesadelo. Nos limites desse sonho há a vida de um embrião, pulsando rápido como todos os seres nascentes. Rápido como uma estrela de nêutrons, uma estrela muito velha. Nesse tipo de estrela, pequena e densa, quanto mais ao centro, mais rápido é o seu giro.”