Categoria: Poesia

  • Desimitações

    Estas desimitações não deixam por menos. Adotando um tom jocoso da sátira, o poeta presta sua homenagem aos grandes (e pequenos) nomes do panteão de poetas brasileiros. O leitor vai encontrar, aqui, Bandeira, Drummond, Cabral, mas também Casimiro de Abreu e Ana Cristina Cesar. Há, inclusive, poetas de fora, como Camões, Neruda ou Tennyson. O que todos têm em comum? A láurea que ficou maior que os versos.Porém, muito mais do que a apresentação de um elenco referenciado (e reverenciado) pelo jogo parodístico, desimitações apresntam uma tese, a de que a láurea dos poetas brasileiros vem a ser gêmea da toga dos magistrados corruptos. Pela crítica a uma poesia excessiva, frágil, mas incensada, dos árcades aos contemporâneos, oswaldo martins revela a fragilidade da sociedade que se deixa desmobilizar por juízes e outros doutores que, de toga, jaleco ou farda, com seus conjes e sua corja, vivem da mais valia dos privilégios ante um povo, ainda, bestializado.

  • Terra presente

    Terra Presente reúne momentos variados, desde flashes de Vila Isabel, de minha infância, de nosso cotidiano, até a época conturbada de 68, incluindo a reflexão sobre a própria linguagem de poesia. Trata-se de um só poema dividido em partes e subpartes; cada uma focaliza aspectos distintos ou dá sequência a esses mesmos aspectos. E todas as partes, não obstante desenvolverem facetas diversas, têm um denominador comum: a busca de uma terra mais concreta e democrática. Este livro vai em todos os momentos, até naqueles em que predomina o lirismo, para Carlos Alberto, o Comprido, pela coragem no sofrimento. Vai também para o Marinho, que se lançou de um prédio, mas este poema o aparou. E para toda uma geração que viveu por avenidas e subterrâneos de esperança.

  • A rosa mareada

    A Rosa Mareada confirma e expande o talento de Rogério Batalha. Nas escolhas das palavras, da sintaxe e do corte, sempre preciso dos versos, o livro nos reapresenta os elementos com que compõe, a partir da casualidade dos acontecimentos, a dicção dura de seus poemas. A diferença entre o desejo burguês do poeta proletarizado de Rosa do Povo e o poeta jogado na sarjeta do vasto mundo deste A Rosa Mareada vem do fundo das escolhas e da vivência de um e de outro. A Rosa metaforizada na rosa socialista carece da experiência das desrosas dos que raquíticos sob zinco/ descem o morro para trabalhar/ às quatro e quarenta da manhã/ marcham tristes para as fábricas/ em busca de vale e cesta básica.A ancestralidade do rito não mais a serviço do encantamento burguês, mas distendido até o fio da navalha, até o corte e o sangue, que a memória (do país, das lutas inglórias, da chibata) explosiva e definitiva grita nos versos magistrais pelo poder de síntese que trazem.Dolorosa e necessária, a poesia de Rogério Batalha cumpre o seu fado, encontrar no mais ínfimo das vivências sujas, a beleza que explode como uma bomba neste país de máculas antigas.

  • Lapa

    Na leitura desses poemas somos convertidos em espectadores de cenas fabricadas pelo poeta; ainda que fique sempre a sensação de que os versos compõem uma teatralização anterior que, mesmo sem a nossa interferência, terá a sua continuidade.Esta face do lapa constitui os “labirintos do lirismo” de que fala o poeta, cuja trajetória é preciso recompor, erguer dos becos, da “noite profana”, dos “ritos-rua”. Aqui também o percurso é acidentado, embora esta sua natureza não seja abertamente tematizada.Assim, temos, por um lado, poemas que mergulham na luta entre a escrita e a linguagem da paixão dos corpos, e outros que captam essa imagem paradoxal e desmesurada e elaboram uma “perspectiva mínima”, a única permitida. a esta altura não é redundante afirmar que lapa é lapa, um universo autocentrado que nos oferece momentos de intensa paixão e lirismo.Também foi editado no formato álbum, com fotos de Alexandre Faria e Vand Santiago, disponível na Editora TextoTerritório.

  • Minimalhas do alheio

    Minimalhas do alheio (de 2002) intensifica a noção que a poesia de oswaldo martins apresenta para o diálogo. O livro se compõe por um rico jogo de referências, citações e apropriações de textos (aqui, num sentido amplo, literatura, pintura, cinema, canção, etc) alheios, através dos quais o poeta trama um instigante e prazeroso roteiro de viagem. Este também é o título que passa a chamar atenção do público para o aspecto erótico ou pornográfico (há controvérsias) da poesia de oswaldo martins, aspecto que culminaria, dois livros mais tarde, em 2008, com a polêmica que envolveu o nome do poeta, depois do lançamento de cosmologia do impreciso. A releitura de minimalhas do alheio ajuda a recolocar, muito bem, a polêmica despertada por aquele livro. O diálogo entre textos que aqui se agencia leva mais longe o projeto pedagógico da poesia de oswaldo martins. Avança para que a educação dos sentidos, iniciada em desestudos, ganhe contornos ideológicos de confronto com a tradição da escola ocidental, em que o espírito (santo ou das luzes) toma o lugar do corpo.

  • Desestudos

    desestudos (publicado pela primeira vez em 2000) inaugura o projeto poético de oswaldo martins que se desdobra, com muita nitidez, em seus livros seguintes. Ao lado do presente título, há mais outros dois livros (minimalhas do alheio e lucidez do oco) que compõem uma espécie de trilogia involuntária na qual os temas e as obsessões do poeta se fixam em modos de elipse e concisão — a fundição formal em que sua poesia se estabelece. Este título também inaugura a marca da negação — o prefixo des- sobre o substativo estudos — que será reiterada nos demais — no mini- de minimalhas e no oco, da lucidez. Neste caso, dos desestudos, os movimentos internos do livro recuperam a ideia que o título geral nega. Agrupam-se, neste volume, estudos para marinhas, para ambientes e ritmos populares, para poesia e amizade, para caos e linguagem, para outros e imagens, e para leituras trágicas. São seis movimentos que colocam o fazer poético no lugar formador da sensibilidade estética e humana. não se trata de uma educação sentimental — a poesia de oswaldo martins passa ao largo de qualquer sentimentalismo — mas de uma educação dos sentidos, cuja organização, em (des)estudos, aponta para uma compreensão do corpo e suas fisicalidades, desconstruindo a ideia tradicional de estudo como procedimento da formação do espírito. São portanto desestudos que buscam afirmar a percepção de um mínimo: a transitória e ínfima condição da existência sem metafísica. Sintomaticamente essa condição encontra desfecho no estudo do trágico — este limite em que a condição humana se encontra e busca, pela expressão, o enfrentamento desses impasses que se instauram entre o corpo e a linguagem.

  • Lucidez do oco

    Este livro a confronta com o limite mesmo do corpo — a morte. Dividido em seis partes, bastardia, os nus, di-glauberiana, moção, desminas e oficina de fotografias, todas elas, de forma mais ou menos direta, investigam o oco e instigam à reflexão sobre essa metáfora que confirma a compreensão de que o homem no mundo vive confrontado com suas balizas. Diferentemente do que pode pensar a crítica incauta, este livro é o mais erótico de martins, justamente porque nele eros e tanatos se complementam e constroem uma única condição: a humana. Dessa forma, seja abordando a condição social e a identidade em bastardia, ou a reflexão sobre outras obras como as pinturas de Modigliani em os nus, ou o filme de Glauber Rocha sobre a morte de Di Cavalcanti, o poeta não perde a mão da sua estratégia básica: coloca, via linguagem, o homem diante de seu limite, que em última análise é a própria linguagem. esta é a questão da poesia. É a ela que oswaldo martins dedica seu projeto poético.

  • Manto

    manto é o resultado de uma acirrada pesquisa poética sobre o trabalho e a personalidade de Arthur Bispo do Rosário, o louco genial da colônia Juliano Moreira e da arte contemporânea brasileira.A principal novidade que manto traz à poética de oswaldo martins é o fato de que as características da personagem eleita para a construção do livro interferiram na conhecida e consagrada precisão de um eu-lírico que, nos livros anteriores, circulou incólume entre figurações diversas. Modigliani, Cartola, Cavaquinho, Di/Gluaber, Diderot e até mesmo a Lapa carioca foram submetidos à dicção poética do autor. Aqui o sujeito deixou-se contaminar pelo objeto. É em alguma medida Arthur Bispo quem também fala junto com oswaldo martins. Essa escolha acentua a contemporaneidade da poesia que este livro apresenta e amplia seu projeto autoral de “educação dos sentidos” e de liberdade política, em direções que obrigarão o leitor a fruir novas descobertas e possibilidades da poesia.

  • Venta não

    Os poemas do livro são ao todo noventa, divididos em duas partes. A primeira compõe-se de 81 poemas; a segunda, de 81 versos e 9 poemas. Há na construção de “venta não” um aspecto multifacetado. As duas partes que o compõem – “tudo muito sempre” e “o pai era um” – determinam a ficção da unidade do múltiplo, neste paradoxo intenso que é a vida vivida em poesia. Eis o equilíbrio imperfeito dos ventos! Pois que, como elementos da imperfeita perfeição, escorrem dois versos que anunciam ou denunciam, mesmo na mais estrita enumeração, que sempre sopram ventos a dizerem sim, quando as rosas falam e anunciam que o que está por vir é o porvir do agora, que a deposição dos cadáveres anunciava. O que diz o poeta Alexandre Faria nos diz da emergência do agora. Da inexatidão da vida. A precisão cirúrgica com que constrói o livro delata ao leitor o jogo de cena do título: venta não vento sim, dupla face em que o dado é retirado e o que é retirado é dado. Uma experiência poética única.

  • Oourodooutro

    oourodooutro reúne poemas que cobrem 26 anos. Muitos deles foram publicados originalmente em blogues e sites, ou mesmo no Facebook. A decisão de reuni-los em livro deveu-se ao recrudescimento de ações autoritárias, com a intransigência e o conservadorismo que vão crescendo no Brasil.O livro quer se uma ação que se oponha à maneira pouco reflexiva como questões sérias e complexas da sociedade passaram a ser objeto de disputa de opiniões, quase sempre agressivas e violentas, mas sem disposição para enfrentar os problemas com a complexidade de um pensamento que aborde as contradições e as dificuldades que lhe são inerentes.Os poemas não apresentam claramente uma posição partidária. Refletem mais as complexas contradições da sociedade brasileira. Apesar da extensão temporal do período de criação dos poemas, o livro guarda uma unidade, quer pelo aspecto temático, quer pela maneira como torna central a questão da alteridade. Daí o título, oourodooutro, que, se por um lado remete ao processo de exploração colonial do Brasil, por outro indica esse valor especial que existe na alteridade, mas sem negar a dificuldade que é minerá-la. Os poemas, então, vistos no conjunto, assumem várias vozes, ora de oprimidos, o pobre, o índio, o negro, a mulher, ora de opressores, dentre os quais não deixa de estar o próprio poeta e escritor que se dispõe a representá-los, com uma linguagem inevitavelmente demarcada como branca, masculina, heteronormativa, que caracteriza a tradição literária brasileira. Isso expõe as contradições e cria uma espécie de mosaico polifônico.Visualmente, o livro busca uma linguagem mais suja, mais e sujeita a interferências gráficas. A edição obtém esse efeito (que o próprio título representa por juntar tudo numa única palavra) através do desrespeito às margens, à mancha gráfica e ao próprio limite da página. Além disso, incluí manuscritos que seriam capazes de criar esse efeito visual, mas que também dialogam tematicamente com o livro.